sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Clichés

Os homens tendem a apreciar mulheres cultas.
Pois que a vossa pequena doroteia ouviu isto e logo lhe apeteceu ir banhar-se de cultura - um bocadinho, sem exageros, que numa mulher a cultura quer-se assim qual pincelada de ovo no soufflé. (E esta graça vai para quem sabe de culinária, que eu cá faço graças para vários públicos.)
Ora então achei que devia ir ver um espectáculo de teatro do pós-underground, que vou contar em letras pequeninas para não vos maçar. Passem à frente.
Vi um espectáculo muito bonito para se ver de phones. A mim deram-me uma folha a dizer que aquilo era o Macbeth e que era feito pelo José Raposo, mas ele não sabia o texto e então andava a Mónica Calle o tempo todo atrás dele a dizer-lhe as deixas. Para disfarçar, como na Casa Conveniente não têm dinheiro para auriculares como o da Eunice Muñoz e eles não são cá de cabotinices, ela não só lhe dava as deixas como lhe dizia logo o texto todo, para ficar mais artístico, o que dava um Macbeth bicéfalo e com um timbre absolutamente tuberculoso e agoniante que é o dela, e ele coitadinho a tentar fazer boa figura mas já não se safava porque para além da voz a interpretação da mulher era um ai-jesus. A encenação era moderna, que é atirar o texto ao ar e as páginas que cairem no chão juntam-se num molhinho e faz-se aquilo pela ordem em que estiver. Depois como toda a gente diz que conhece a história do Macbeth no fim ninguém vai ter coragem para dizer que não percebeu, e hoje em dia é assim que se adapta um clássico e portanto podem perfeitamente fazer a experiência em casa e poupar dinheiro. Mas eu cá gostei. Eles tinham lanternas, pegavam fogo a coisas, andavam de baloiço, atiravam baldes de água uns aos outros e jogavam à porrada. Foi fixe. Principalmente os quatro pretos enormes e musculados e viris e másculos e varonis e acho que já me estou a repetir, que acho que também faziam parte da peça. Também tivemos direito a uma violação em série e a um nu integral da Mónica Garnel, que se ela não se despisse não conseguia representar tão bem como nos tem vindo a habituar e depois podia haver motins no Cais do Sodré. Mas a sério, tirando o nu da Mónica Garnel, plasticamente é um óptimo espectáculo. Acho que está em cena até sábado, mas se se esquecerem dos phones eles lá não vos vão emprestar.
Mas (olá outra vez!) o que eu queria mesmo dizer é que nesse tal espectáculo sentou-se na fila da frente um moço bonitinho e assim mesmo com o ar de quem vai a este tipo de coisa, com óculos de massa e um cachecol e tal. Ao lado dele senta-se a namorada, em quem eu reparei por ter umas mamas excepcionalmente enormes e um ar de quem não sabia bem quem era ou que estava a fazer, ainda para mais num pardieiro cheio de pulgas e ratos com madeirame artisticamente pendurado. O amor é tão bonito!, pensei eu. Nos momentos mais entediantes do espectáculo, espreitava pelo canto do olho e via-a bichanar aos ouvidos do pobre coitado, com aquele ar interrogativo adorável de quem perdeu o fio à meada da Casa dos Segredos mas quer muito muito muito mas mesmo muuuito perceber. O namorado, esse, estava com cara de quem está a ser distraído no instante em que o Benfica vai marcar o penálti. Tão queridos!, pensei eu. Gostam muito de se apaixonar pelas cultas, mas casam-se sempre é com as tontas.

6 comentários:

  1. delicioso... e mesmo em letras pequenas, a curiosidade obrigou-me a esforçar a retina para não perder pitada!

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  2. isso do bichanar é uma estratégia. serve para eles não se esquecerem de com quem foram ao teatro, não vão eles, sabe-se lá, dar-lhes assim uma branca e repararem na miúda culta que está na fila de trás... ;)

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  3. E tu? És mas pó culta ou mas pó tonta?

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  4. "mas" pó tonta, obviamente, mas uma pequena bovary.

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